"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo
Anne Applebaum trabalhou na Polônia nos anos 80 como correspondente de jornais ingleses. Acompanhou as greves operárias e o fim do regime comunista. A partir daí interessou-se pelo colapso da União Soviética (ela é especializada em língua e literatura russa) desde 1992. O resultado foi um livro didático e informativo, sem preocupações com análises sociológicas ou teorias políticas. Como jornalista, e como boa jornalista soube como filtrar os fatos e apresentar os dados relevantes, organizar as matérias, manter o interesse do leitor e não se aventurar em conclusões apocalípticas ou elocubrações para hipnotizar idiotas.
Mesmo assim não é fácil saber lidar com a abundância dos dados. Ela analisa as origens do Gulag a partir do início da revolução russa, na tomada do poder pelos bolcheviques e a guinada do partido "social-democrata" (era o nome do PC na época) para um partido totalitário e perseguidor das correntes políticas não só de direita, como principalmente de esquerda.
Aliás, a principal conclusão que se pode tirar do stalinismo é que se tratou de um regime que sob a presunção de acabar com a direita russa criou a estrutura estatal para liquidar com toda a oposição a principio real e depois imaginária, isto é, de acordo com as conveniências dos planos mirabolantes do Estado. Este excelente livro aborda os aspectos humanos do holocausto soviético, como por exemplo, como eram feitas as detenções, como eram os estabelecimentos penitenciários, como eram os transportes para os campos de trabalhos forçados, o trabalho nos campos, as punições e as recompensas para os prisioneiros, etc. Ela não esqueceu de falar a partir do depoimento dos sobreviventes e das obras inumeráveis dos fugitivos dos guardas, dos prisioneiros, das mulheres e crianças que nasciam nos campos, dos convalescentes, das estratégias de sobrevivência no ambiente siberiano, das rebeliões e fugas.
Tudo isso nos informa com depoimentos os mais chocantes que não se detém aí. Ela ainda guarda energia para abordar um tema analítico, como a ascensão e queda do complexo industrial baseado no trabalho forçado dos campos, situado nos perídos de 1940 a 1986.
Em seu longo e detalhado livro, cita uma bibliografia preciosa para quem gosta de cavar livros raros. Mas paradoxalmente, não fala num dos livros mais significativos de denúncia do stalismo no início dos anos 40, "O Iogue e o Comissário" de Arthur Koestler, que ficou famoso apenas pela sua novela "O Zero e o Infinito" em que retrata a detenção e julgamento de um dos maiores leninistas e último sobrevivente até sua liquidação por Stalin: Bukharin. (Veja resenha neste blog).