FERMENTAÇÃO
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FERMENTAÇÃO - RESUMO - Maximiliano Mendes - Atualizado em 2014.

A fermentação é um processo de geração de energia no qual ocorre a oxidação incompleta de substâncias orgânicas, como a glicose, em contraposição à oxidação completa que ocorre na respiração celular. Logo, na fermentação, nem todas as ligações covalentes entre os átomos de carbono serão rompidas, e, assim, esse processo libera menos energia que a respiração celular (energia que será armazenada nas ligações entre os grupos fosfato do ATP).

Quando ocorre?

Normalmente o processo ocorre associado às condições anaeróbias (ausência de O2). Porém, dependendo do organismo ou tipo celular, a fermentação também pode ocorrer na presença de O2, como exemplo, podemos citar as amebas, eucariontes sem mitocôndrias que geram energia apenas via fermentação. (Porém, é importante ressaltar que as amebas são micro-aerofílicas! Vivem em concentrações baixas de O2). Assim como as amebas, os nossos eritrócitos (células vermelhas do sangue), também não possuem mitocôndrias e só podem gerar energia via glicólise. Nossas células musculares, caso não recebam O2, também podem gerar energia via fermentação (fermentação láctica).


Podemos, nesse âmbito, classificar os organismos em dois tipos:

Anaeróbios facultativos: podem viver na presença ou na ausência de O2. Ex: a bactéria Escherichia coli e a levedura Saccharomyces cerevisiae. Se houver O2 disponível no meio a produção de energia se dá via respiração, caso não, a produção ocorre por fermentação. Podemos considerar que as nossas células musculares se comportam como anaeróbios facultativos.

Anaeróbios obrigatórios: só conseguem viver na ausência de O2, pois o O2 é tóxico para esses organismos. Lembrar que o oxigênio molecular pode gerar espécies reativas de oxigênio, que por sua vez podem causar danos ao DNA. Ex: Clostridium tetani, a bactéria causadora do tétano.

A respiração celular, ao contrário, é um processo aeróbio, só acontece na presença de O2.

OBS: quando nos referimos à respiração celular, normalmente estamos falando da respiração aeróbica, a qual tem o O2 como aceptor final de elétrons da cadeia de transporte de elétrons. Porém, alguns organismos são capazes de efetuar um processo de respiração anaeróbica! Nesses casos, a diferença é que se utiliza outro aceptor final para a cadeia de transporte de elétrons. Por exemplo, sulfobactérias marinhas, redutoras de sulfato, que vivem em ambientes anaeróbicos, utilizam o SO4-2 como aceptor final de elétrons da cadeia de transporte de elétrons.

E no que consiste?

Em resumo, se não há oxigênio, ou mitocôndrias, ou a maquinaria celular necessária para realizar a respiração, o organismo ou a célula poderá produzir ATP via glicólise (estamos estudando o processo tendo como base a molécula de glicose). Porém, na glicólise são produzidas apenas duas moléculas de ATP e isso pode não ser o bastante para manter um organismo funcionando. Assim, uma estratégia é acelerar o processo de glicólise, consumindo mais glicose, fazendo com que mais moléculas de glicose venham a sofrer as reações, o que aumenta a geração de ATP, mesmo sendo dois por glicólise.

Então, como se pode acelerar esse processo? 

Considere uma reação química qualquer abaixo, na qual duas substâncias, A e B, podem reagir para formar uma terceira, C:



(Note que essa reação é reversível, pode se dar tanto no sentido (1) quanto no (2), como efetivamente ocorre com várias reações metabólicas).

Imagine que se adicionem as substâncias A e B em um tubo de ensaio contendo apenas água. Elas começarão a reagir e formar a substância C (reação no sentido 1). Porém, as moléculas A e B não desaparecerão do sistema por completo até que se tenha apenas C. A e B reagem gerando C até que se atinja um equilíbrio químico, no qual as concentrações de A, B e C são constantes (não variam) e as reações nos sentidos (1) e (2) ocorrem na mesma velocidade: a taxa de formação de C é igual a taxa de dissociação de C em A e B.

Caso queiramos obter mais C, um produto, podemos fazer algumas coisas, dentre as quais: adicionar mais A e B ao sistema, de forma a deslocar o equilíbrio no sentido (1) e obter uma concentração de C maior, ou, simplesmente, retirar C do sistema, o que também desloca o equilíbrio no sentido (1). Nesse segundo caso, é como se mais A e B reagissem gerando C para restabelecer o equilíbrio.

Nas células, ocorre algo similar.

Se o único mecanismo que a célula tem disponível para produzir ATP é a glicólise, pode-se promover a glicólise retirando do sistema os produtos piruvato e ATP. O ATP é retirado do sistema ao ser utilizado, já os piruvatos, serão convertidos em outras substâncias (ver a figura adiante). No nosso exemplo, seria como converter C em outra substância, D.

Assim, em resumo, a fermentação consiste em duas etapas: a glicólise e as reações que convertem o piruvato em outra substância. Como os piruvatos não geram acetil-CoA e não ocorre ciclo de Krebs, não há oxidação completa, ou seja, nem todas as ligações covalentes entre os átomos de carbono da glicose são quebradas, e, por isso, a geração de energia, ou de ATP, é menor: dois na fermentação vs. 30 na respiração aeróbia.

Exemplos de fermentação:

Veremos aqui apenas os dois tipos básicos, de acordo com a figura abaixo:



Na fermentação alcoólica, são gerados etanol (um álcool) e CO2 a partir de cada molécula de ácido pirúvico. O etanol tem apenas dois átomos de carbono, um terceiro, do piruvato, é perdido como CO2. Associaremos esse processo às leveduras (Reino Fungi), porém, algumas bactérias também podem realizá-lo. Como exemplos de aplicações nas quais esse processo está envolvido temos:

Produção de bebidas alcoólicas, tendo em vista que o processo gera etanol. As diferentes bebidas alcoólicas são geradas a partir da atividade das leveduras Saccharomyces cerevisiae, que se utilizam da glicose presente em certos alimentos para gerar energia via fermentação. Daí são geradas as diversas bebidas alcoólicas, como o vinho (fermentação do suco de uva), cerveja (do malte, oriundo da cevada), saquê (arroz) e etc.

Produção do álcool combustível, no qual as leveduras atuarão sobre o melaço da cana de açúcar.

Fabricação de pães, bolos, biscoitos e outras massas. Inicialmente se mistura fermento biológico em pó (leveduras) à massa. No interior da massa, um meio anaeróbio, as leveduras realizam fermentação alcoólica e liberam CO2, que forma bolhas capazes de inflar a massa. E o álcool? O álcool não é liberado em grandes quantidades: os períodos de fermentação empregados na produção de bebidas alcoólicas são muito mais longos que a fermentação das massas (anos vs. minutos). Ademais, o álcool pode evaporar ou ser degradado quando a massa vai para o forno assar. Por isso é que ninguém fica doidão comendo pães (comendo água talvez).

Na fermentação láctica, os piruvatos (ou ácidos pirúvicos) são convertidos em ácido láctico, moléculas que também têm três átomos de carbono. Associaremos esse processo às bactérias (como os lactobacilos) e aos animais. Como exemplos de aplicações:

Produção de laticínios. Vou exemplificar com a produção de iogurtes naturais (coalhadas): bactérias, dentre as quais lactobacilos, que vivem no leite ou são inoculadas a ele, realizam fermentação láctica e liberam o ácido láctico para o meio. Isso torna a solução mais ácida (diminui o pH), o que causa a desnaturação de proteínas, como a caseína. Desnaturadas, as proteínas se entrelaçam, formando uma massa coagulada, a coalhada. Esses leites fermentados do tipo Yakult e Chamyto contêm lactobacilos capazes de tornar o meio intestinal menos alcalino, devido à liberação do ácido láctico, e isso dificulta a multiplicação de micro-organismos potencialmente danosos.

Outros aspectos relacionados à fermentação láctica (ou não...):

Dores musculares após esforços intensos: em atividades físicas muito intensas, a frequência cardíaca aumenta, a fim de transportar O2 mais rápido para as células musculares (e eliminar CO2). Porém, o coração não consegue se contrair numa frequência rápida o suficiente para levar O2 em quantidade suficiente para todas as células musculares. Assim, aquelas que não recebem, tem de gerar energia via fermentação láctica e esse processo pode ser mantido por aproximadamente três minutos. Durante esse tipo de atividade se tem uma sensação de queimação nos músculos, que pode doer, mas não persiste. A dor que incomoda normalmente vem no dia seguinte.

Até pouco tempo atrás se acreditava que as dores musculares mais fortes eram devidas ao acúmulo de ácido láctico, por causar acidose, porém, hoje já se sabe que, na verdade as dores são acarretadas por microlesões nas fibras musculares e substâncias inflamatórias.

?Dor de viado?, ou melhor ? dor abdominal passageira relacionada ao exercício (exercise related transient abdominal pain): muitas vezes associada ao acúmulo de ácido láctico no fígado. Se você buscar informações sobre essa dor aqui na internet verá muitas explicações distintas, porém, em um artigo recente, sugere-se que essa dor, mais comum em atividades que envolvem movimentos repetitivos do tronco e que pode ser acentuada pelo período pós prandial (período após as refeições) talvez seja causada por irritação do peritônio parietal. Talvez, haja aumento de pressão no peritônio, causado pelo fricção resultante dos movimentos do tórax. Esse peritônio parietal é uma membrana serosa que reveste a cavidade abdominal (celoma). Membranas serosas são constituídas de um tecido epitelial pavimentoso simples acima de um tecido conjuntivo fino.
  
Para terminar, vou explicar o processo de fermentação de forma um pouco mais completa. Isso no caso de o seu professor de ensino médio cobrar mais ou você ser estudante de um curso técnico ou superior.

Tanto a glicólise quanto os outros processos do metabolismo energético consistem de uma série de reações de oxidação-redução. Nessas reações, umas substâncias perdem elétrons e hidrogênios (as que são oxidadas) e outras ganham (as que são reduzidas). ?Oxidar é dar elétrons e reduzir é adquirir?.

De forma geral, a quebra das ligações covalentes entre os átomos de carbono libera elétrons de alta energia (oxidação) que são captados por certas coenzimas. No caso dos processos do metabolismo energético essas coenzimas são:

NAD+: dinucleotídeo de nicotinamida e adenina. Respiração e fermentação.
FAD: dinucleotídeo de flavina e adenina. Respiração.
NADP+: fosfato de dinucleotídeo de nicotinamida e adenina. Fotossíntese.

As reações de oxidação-redução da glicólise liberam elétrons de alta energia, que são captados pelos NAD+:


Na cadeia de transporte de elétrons da respiração, o aceptor final de elétrons é o O2 e esse processo ocorre após a oxidação completa da glicose. Já nas fermentações, os aceptores finais de elétrons são moléculas orgânicas: o próprio piruvato, na fermentação láctica e o acetaldeído, na fermentação alcoólica. As reações que ocorrem após a glicólise e convertem os piruvatos em ácido láctico ou etanol e CO2 utilizam os NADH gerados na glicólise e regeneram NAD+para que esses possam permitir a ocorrência das reações de oxidação-redução da glicólise. Já no caso da respiração, a regeneração de NAD+ só ocorre após a transferência de elétrons de alta energia do NADH para as bombas proteicas de H+ da cadeia de transporte de elétrons. Por isso é que o consumo de glicose pode aumentar na fermentação: O NAD+ é regenerado mais rapidamente. Veja as figuras:



Veja também:

http://maxaug.blogspot.com.br/2015/05/nadh-fadh2-e-nadph-coenzimas-do.html

REFERÊNCIAS:

Alberts et al. Molecular Biology of the Cell. 5th ed. Garland. 2008.
Amabis & Martho. Biologia das Células. Moderna. 2010.
Campbell, Reece et alBiologia. 8ª Ed. Artmed. 2010.
Catani et alSer Protagonista ? Biologia ? Vol. 1. Edições SM. 2009.
Feltre. Fundamentos da Química ? Volume Único. Moderna. 2001.
Junqueira & Carneiro. Histologia Básica. 10ª Ed. Guanabara-Koogan. 2004.
Morton, DP. Exercise Related Transient Abdominal Pain. Br J Sports Med. 37. pp: 287-288.
Robergs, R. Guiasvand, F. & Parker, D. Biochemistry of Exercise-Induced Metabolic Acidosis. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. v. 287. pp:502-516. 2004.

Na internet:

http://www.nature.com/scitable/topicpage/yeast-fermentation-and-the-making-of-beer-14372813
http://en.wikipedia.org/wiki/Fermentation
http://www.tempeh.info/fermentation/alcohol-fermentation.php
http://www.scientificamerican.com/article.cfm?id=why-does-lactic-acid-buil
https://highered.mcgraw-hill.com/sites/0072507470/student_view0/chapter25/animation__how_the_nad__works.html
http://en.wikipedia.org/wiki/Facultative_anaerobic_organism
http://en.wikipedia.org/wiki/Reactive_oxygen_species



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